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Blog dos Concursandos

30 de abr. de 2010

Sexo contra a hipertensão - O poder mobilizador de uma frase de efeito

Reportagem de Cristiane Segatto
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo.

Clap, clap, clap. Esta coluna começa com um aplauso. Na segunda-feira (26), o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, aplicou um golpe de mestre. Ao recomendar que os brasileiros praticassem sexo para prevenir a hipertensão, alcançou uma proeza midiática. Foi capaz de emplacar a palavra hipertensão na primeira página dos principais jornais do Brasil.

Como diria Lula, nunca antes na história desse país a hipertensão foi assunto – por tanto tempo – em tantas TVs, rádios, internet etc. Suspeito que o tema continue em evidência pelo menos até o final da semana, quando os programas de TV dominicais e os veículos impressos devem continuar realimentando o assunto.

Se o ministro não tivesse falado em sexo, provavelmente o lançamento da campanha nacional de combate à hipertensão mereceria uma notinha de pé de página nos grandes jornais. Ou talvez alguns segundos de exposição nos programas vespertinos da TV.

Temporão soube transformar a hipertensão em notícia. Disputou espaço e atenção com dezenas de celebridades instantâneas, obscenidades políticas, mazelas policiais e venceu. Ao incluir um “façam sexo” entre as recomendações de prevenção da hipertensão, Temporão ajudou os jornalistas. Deu a eles o título de que precisavam para conseguir “emplacar” a matéria que tinham nas mãos.

Já trabalhei num grande jornal e sei como as coisas funcionam nesse tipo de cobertura. O repórter tem certeza de que o assunto que está cobrindo é relevante. Caso tenha tido tempo de fazer a lição de casa (o que nem sempre acontece), pesquisou sobre hipertensão antes da entrevista coletiva e sabe que esse é um dos maiores desafios da saúde brasileira e mundial. Tem uma tremenda boa vontade e acha que a sua matéria vai fazer diferença na vida da Dona Maria e do Seu João. O repórter se sente útil, consegue enxergar um sentido na sua profissão.

Durante a coletiva, trabalha direitinho. Coleta as informações novas, faz as perguntas pertinentes, tenta enxergar incoerências na apresentação oficial. De volta à redação, quase sempre recebe um banho de água fria. O editor, pressionadíssimo pelo horário do fechamento e pela concorrência, vê o repórter chegando esbaforido e grita:

– Qual é o título? Qual é o título?

– Hum...Deixa eu ver...O ministro disse muita coisa importante. Acho que poderíamos bolar um título sobre o aumento do número de casos de hipertensão ou então...

Em geral, o operário da notícia nem consegue concluir a frase.

– Se você não tem título, não tem matéria. Faz uma nota.

Na segunda-feira, a história foi diferente. O ministro recomendou sexo contra a hipertensão. Os jornalistas voltaram às redações com um bom título na ponta da língua. Dona Maria, Seu João e tantos outros brasileiros ouviram falar de hipertensão como nunca.

“Foi uma jogada de marketing incrível. Se o ministro não tivesse recomendado sexo, você não estaria me entrevistando agora”, disse-me o médico Carlos Alberto Machado, diretor do departamento de hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Só posso concordar. Em várias oportunidades recentes, escrevi sobre o envolvimento da hipertensão nos mais graves problemas de saúde que enfrentamos atualmente. Mencionei a hipertensão em duas capas recentes: uma sobre obesidade (Os magros são mais saudáveis?) e outra sobre o crescimento da diabesidade (a combinação nefasta de obesidade e diabetes). Nesta semana, voltei à hipertensão numa reportagem sobre o AVC em mulheres jovens (O derrame das mulheres jovens). Mas a afirmação do ministro foi a deixa necessária para a imprensa ir além.

Graças ao ministro, volto hoje ao tema nesta coluna. A hipertensão é o principal fator de risco para o surgimento de várias doenças graves. É responsável por 80% dos AVCs e por 40% dos infartos (as duas principais causas de morte no país). A hipertensão também causa 40% das insuficiências cardíacas e 37% das insuficiências renais.

A proporção de brasileiros que recebeu diagnóstico de hipertensão cresceu de 21,5% (2006) para 24,4% (2009). A quantidade de hipertensos que sequer desconfia do problema é muito maior. Calcula-se que existam no país 33 milhões de pessoas com a doença.

O primeiro grande desafio das autoridades de saúde é convencer os cidadãos a adotar hábitos saudáveis que as mantenham livres do fantasma da hipertensão (pressão arterial acima de 12 por 8). Diminuir o sal da comida é um dos passos mais importantes. O brasileiro adora despejar o saleiro sobre a comida. Além disso, os alimentos industrializados (salgadinhos, temperos prontos, caldos etc) são verdadeiras bombas de sódio. Os brasileiros precisam saber o que estão comendo e a repercussão dessas escolhas sobre sua saúde. Não basta checar o prazo de validade dos alimentos, é preciso aprender a analisar as informações nutricionais e entender o tamanho do estrago que determinados itens provocam.

O segundo grande desafio é convencer os hipertensos a tomar remédios. A doença não dá sintomas até começar a provocar graves danos. É fundamental que os hipertensos tomem antihipertensivos mesmo quando não sentem nada de errado. E que os não-hipertensos não engrossem essa massa de gente fadada à dor e à morte precoce.

Não conheço nenhum estudo que tenha comprovado a relação entre atividade sexual e prevenção da hipertensão. Mas o conselho de Temporão faz sentido se pensarmos no sexo como uma forma de atividade física e fonte de bem-estar. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a prática de pelo menos 30 minutos de atividade física cinco vezes por semana. Quem não pode ir à academia, precisa encontrar formas de incluir formas alternativas de atividade física em sua rotina.

Vale saltar do metrô duas estações antes do endereço do trabalho e completar o percurso a pé; vale pegar uma enxada e cuidar do jardim; vale fazer sexo. Embora a atividade sexual não seja exatamente uma modalidade atlética, ela eleva os batimentos cardíacos e queima calorias, como ocorre em qualquer atividade física moderada. Além disso, o bem-estar proporcionado pelo sexo ajuda a aliviar o stress (outro fator que agrava a hipertensão).

É bom que os brasileiros tenham passado a semana discutindo a frase do ministro e os benefícios do sexo. Mesmo quando a conversa descamba para aspectos menos relevantes (sexo faz bem pra pele?), o fato criado por Temporão permite que, de uma forma ou de outra (nem que seja num único parágrafo ou num único segundo) a hipertensão esteja na ordem do dia. Exatamente onde ela precisa estar.

É melancólico perceber que um ministro precise usar um subterfúgio desses para ser ouvido a respeito de um assunto tão importante. Mas essa é a vida como ela é. Nem sempre, porém, esse tipo de estratégia é usada para o bem. Autoridades costumam lançar frases de efeito para desviar a atenção de falhas ou escândalos que pretendem esconder. Prevendo que a imprensa vai reagir de forma acrítica, lançam as frases que pretendem ver estampadas nas manchetes, encerram a coletiva e escapam das cobranças.

No caso da hipertensão, acredito que a estratégia de Temporão teve um fim nobre. Se a educação é um dos maiores desafios do Brasil, a educação para a saúde também é. Ela é responsabilidade do governo, da imprensa e de todos nós. Se sexo é algo que ainda atrai atenção, Temporão fez bem em usá-lo para promover a causa do combate à hipertensão. Espero que na próxima vez ele não precise pendurar uma melancia no pescoço para chamar atenção.

E você? Concorda com o conselho do ministro? Acha que sexo faz bem à saúde? Tem feito alguma coisa para prevenir a hipertensão?

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