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Blog dos Concursandos

24 de jan. de 2011

OAB, ditadura e verdade.

A imprensa noticiou que o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Cezar Britto, apóia o Ministro Paulo Vannucci, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, "em sua luta pelo estabelecimento do direito à memória e à verdade". O Ministro não aceitou qualquer alteração no Programa Nacional de Direitos Humanos, constante de um Decreto assinado pelo Presidente Lula, que desagradou, especialmente, os militares, a imprensa, a Igreja, o Poder Judiciário e os proprietários rurais.


Esse Decreto, de nº 7.037, de 21.12.2009, (veja aqui o Decreto) foi editado, aliás, pelo Presidente Lula, com base na competência que lhe atribuiu o inciso VI do art. 84 da Constituição Federal. Trata-se, portanto, do chamado Decreto autônomo, (porque dispensa a existência de uma lei), criado pela Emenda Constitucional nº 32/2001, através do qual o Presidente pode dispor:

"a) sobre a organização e o funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de cargos públicos; e

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos."

O Decreto autônomo tem sido bastante criticado pela doutrina, porque contraria o princípio da legalidade.

Mas há quem avalie, também, que esse decreto pretende "censurar a mídia, acabar com a propriedade, incitar ódios de cunho revanchista. Um figurino para Stalin não por defeito." (Veja este artigo).

Uma das evidentes inconstitucionalidades constantes desse Decreto, que o Presidente Lula assinou sem ler, mas depois concordou em dele suprimir os dispositivos que desagradaram a área militar, consiste nesta determinação, que integra o Eixo Orientador IV, Objetivo Estratégico VI: "Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar, como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos."

Se aprovado semelhante projeto de lei, estaria sendo claramente vulnerada a cláusula pétrea - §4º do art. 60 da Constituição Federal – que resguarda os direitos e garantias individuais. Se aprovado esse projeto, os proprietários de terras invadidas pelo MST, por exemplo, não poderiam recorrer ao Judiciário. A decisão caberia a essa Comissão, organizada pelo Governo, com a presença do Ministério Público, do poder público local, da Polícia Militar, e talvez de alguns representantes da OAB.

Mas a polêmica mais acesa se refere agora à possível revogação da Lei da Anistia, a Lei nº 6.683, de 28.08.1979 (Veja aqui), em decorrência desse Decreto, para possibilitar a punição dos "agentes da repressão".

Essa Lei, depois de trinta anos de sua edição, ainda divide opiniões, porque enquanto para alguns ela marca o fim da ditadura no Brasil, para outros ela serviu apenas para atender aos interesses do Regime Militar e para proteger os torturadores, ou seja, apenas os "agentes da repressão". O § 2º do art. 1º dessa Lei é bastante claro: "§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal."

A Ordem dos Advogados do Brasil ingressou, no Supremo Tribunal Federal, no dia 21.10.2008, com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF nº 153 (Veja aqui). Em sua petição inicial, a OAB questionou o §1º do art. 1º da Lei da Anistia, para pedir, ao final, que o Supremo declare, à luz dos preceitos fundamentais da Constituição, "que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar (1964-1985)."

Ou seja: a OAB deseja que sejam punidos, apenas, os agentes da repressão que sequestraram, torturaram ou mataram. O Presidente da OAB apóia o Ministro Vannucci, para quem "não faz nenhum sentido o Plano igualar torturadores e torturados, como defende Jobim". A Lei da Anistia, segundo alguns críticos, passaria a proteger, apenas, "os terroristas, assassinos e assaltantes de Bancos" (veja aqui)

Mas agora, com o recrudescimento da polêmica em torno da anistia, causada pela publicação do Decreto nº 7.037/2009, e com os pedidos de demissão do Ministro Nelson Jobim e dos Comandantes Militares, o que nos interessa, aqui, é a posição da Ordem dos Advogados do Brasil nesse debate.

De acordo com as declarações do Presidente da OAB, publicadas por vários órgãos da imprensa (veja aqui),

"Todo brasileiro tem o direito de saber que um Presidente da República constitucionalmente eleito foi afastado por força de um golpe militar. Da mesma forma, não se pode esquecer que no Brasil o Congresso Nacional foi fechado por força de tanques e que juízes e ministros do Supremo Tribunal Federal foram afastados dos seus cargos por atos de força, e que havia censura, tortura e castração de todo tipo de liberdade".

A Turma de 1.966 da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, à qual pertenço, teve como Patrono o Ministro Ribeiro da Costa, Presidente do Supremo Tribunal Federal, que disse ao General Castelo Branco, em 09.04.1964, quando soube que o Governo Militar pretendia cassar os Ministros Evandro Lins e Silva, Vitor Nunes Leal e Hermes Lima, que o Supremo era o ápice do Poder Judiciário e que não deveria ser enquadrado em nenhuma ideologia revolucionária, sobretudo em um golpe como aquele, e mandou um recado: se cassassem algum Ministro do Supremo, ele fecharia o Tribunal e entregaria as chaves ao porteiro do Palácio do Planalto. Os militares recuaram, naquele momento, mas esses três Ministros foram cassados em 1968, após a edição do Ato Institucional nº 5.

Não se pode esquecer, também, que o Ato Institucional nº 2, de 1965, que foi elaborado com a participação de Nehemias Gueiros, ex-Presidente da OAB e seu Conselheiro-nato – porque todos os ex-Presidentes passam a integrar o Conselho Federal -, aumentou para dezesseis o número de Ministros do Supremo Tribunal Federal, extinguiu os partidos politicos e ampliou a competência da Justiça Militar. Em novembro de 1965, outro ex-Presidente da OAB, Prado Kelly, tomava posse como Ministro do Supremo, em uma dessas vagas, e a Dra. Denise Rollemberg, cuja obra será citada a seguir, relatou que: "Na Ata, os Conselheiros rejubilavam-se pela escolha dos novos Ministros do Supremo Tribunal Federal e Procuradoria Geral da República, recrutados entre antigos advogados e ex-membros do Conselho Federal, propondo um voto de louvor".

Nós, os acadêmicos de direito, não apoiamos, naquele momento, portanto, o golpe militar.

Mas o mesmo não se pode dizer da OAB, cujo Presidente agora critica o Regime Militar e defende a punição dos "agentes da repressão".

Assim, como aqui se trata de "apoiar a luta pelo estabelecimento do direito à memória e à verdade", como quer a OAB, é preciso lembrar que os seus dirigentes apoiaram, em 1.964, o golpe militar, como pode ser constatado pela pesquisa realizada por Denise Rollemberg, nas próprias Atas das Reuniões do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil:

"No dia 7 de abril de 1964, o Conselho Federal da OAB realizou uma sessão ordinária. Era a primeira após o golpe de estado que depusera alguns dias antes o Presidente João Goulart. A euforia transborda das páginas da ata que registrou o encontro. A euforia da vitória, de estar ao lado das forças justas, vencedoras. A euforia do alívio. Alívio de salvar a nação dos inimigos, do abismo, do mal. Definindo todos os Conselheiros como "cruzados valorosos do respeito à ordem jurídica e à Constituição", o então Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/OAB, Carlos Povina Cavalcanti, orgulhoso, se dizia "em paz com a nossa consciência". (Ver: MEMÓRIA, OPINIÃO E CULTURA POLÍTICA. A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SOB A DITADURA (1964-1974) = http://www.profpito.com/DeniseOAB.pdf)

Todo brasileiro tem o direito de saber que um Presidente da República constitucionalmente eleito foi afastado por força de um golpe militar, como afirmou o Presidente da OAB, e que a Ordem dos Advogados do Brasil, no entanto, apoiou os golpistas, naquele momento. E que muitos de seus dirigentes se beneficiaram com isso. Não existe nenhuma coerência, portanto. Hoje, os dirigentes da OAB se colocam, novamente, ao lado das "forças justas, vencedoras". Hoje, o Presidente da OAB advoga a punição, apenas, dos "agentes da repressão". Quem sequestrou, assaltou ou matou, será que não cometeu nenhum crime, porque "lutava heroicamente contra o regime militar"?

O Supremo terá que decidir essa questão insolúvel, no julgamento da ADPF nº 153/2008.

Mas existe um pequeno detalhe – se é que isso é um detalhe - para o qual ninguém atentou. Todos estão hoje discutindo a verdadeira exegese da Lei da Anistia: se ela alcança torturadores, torturados, terroristas, assaltantes, crimes comuns, etc.

Todos estão preocupados com o Decreto editado pelo Presidente Lula, que poderia levar à revogação da Lei da Anistia.

O detalhe, no entanto, é que essa Lei não existe mais. Ela foi integralmente revogada pela Declaração Americana de Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, de 1.969, que foi ratificado pelo Brasil em 1.992. Se o Supremo Tribunal Federal mantiver a coerência de suas decisões, ele dirá que a Lei da Anistia não pode prevalecer, porque contraria o Pacto de São José, cuja prevalência em relação às normas infraconstitucionais o Supremo já assentou, em outubro e em dezembro de 2008, em decisões históricas referentes à prisão civil do depositário infiel.

Em outubro de 2.008, no julgamento do Habeas Corpus nº 88.240-4-SP, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que:

"Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação." (Os grifos não são do original)

Em dezembro de 2.008, finalmente, no julgamento do Habeas Corpus nº 87.585-TO, desta vez o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a prevalência dos tratados de direitos humanos. Por cinco votos a quatro, prevaleceu o entendimento de que esses tratados têm valor supralegal, contra a tese do Ministro Celso de Mello, que lhes atribuía nível constitucional.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, assim, que com a introdução do aludido Pacto de São José no ordenamento jurídico nacional, em 1.992, restaram derrogadas as normas estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel. Prevaleceu, no entendimento do Pleno do STF, a tese do status de supralegalidade do Pacto de São José da Costa Rica.

Da mesma forma, portanto, o Supremo Tribunal Federal, se mantiver a coerência, deverá reconhecer a derrogação da Lei da Anistia, porque ela também conflita com esse Pacto, que tem valor supralegal e torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação.

Quanto aos dirigentes da OAB, é bom que eles se mantenham sempre ao lado das "forças justas, vencedoras", para que possam continuar defendendo a Ordem Jurídica e a Constituição. Na Bolívia, o Decreto Supremo nº 100 (veja aqui), do Presidente Evo Morales, de abril de 2.009, estabeleceu o exercício livre da advocacia, mediante registro gratuito do bacharel no "Registro Publico de Abogados" do Ministério da Justiça, retirando do Colégio de Advogados, que fazia oposição ao Regime, todos os seus poderes.

Fernando Machado da Silva Lima advogado, corretor de imóveis, jornalista, professor de Direito Constitucional da UNAMA, assessor de procurador no Ministério Público do Estado do Pará

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